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Mirante 9 de Julho: de ponto badalado ao lado da Avenida Paulista a sinônimo de abandono

Após ser palco de exposições e até de exibição de filmes, local histórico vive momento de degradação; prefeitura diz que tem planos para o espaço, mas não revela quais

Era para ser um charmoso point de 400 metros quadrados no acesso entre as avenidas Paulista e 9 de Julho, em São Paulo, mas amarga esquecimento após um passado (recente, diga-se) de exposições, almoços, super jantares, exibições de filmes e até de Copas do Mundo. Trata-se do Mirante 9 de Julho, aos fundos do Masp, com vista para o incontornável trânsito paulistano. Hoje, os turistas e pedestres que passam por lá mal se dão conta de que ali jaz um projeto de ocupação urbanística.

Construído há cerca de um século, o mirante, e seu entorno, vive altos e baixos em sua existência. Antes de ser recuperado em 2015, passou décadas às moscas. A atual temporada de ostracismo começou em 2021, quando a Prefeitura de São Paulo decidiu não renovar um contrato de cooperação com o restaurante Mira, que funcionava como café e galeria de arte e atraía público para o lugar. O negócio teve curta duração, pouco antes da chegada da Covid-19.

Foi mais uma tentativa, entre tantas outras, de revitalizar aquele pedaço da cidade cheio de história. Afinal, um mirante embaixo de um viaduto, mesmo na maior metrópole da América Latina, precisa de atenção especial do poder público para ter “vida própria”. A pandemia sepultou o projeto.

— Foi muito chato o fim. Cheguei à prefeitura numa tarde achando que renovariam a cooperação, mas disseram que o prefeito (Ricardo Nunes) não ia renovar o termo, e nada mais. É um lugar com o qual tenho uma relação pessoal grande. Minha filha deu os primeiros passos ali — diz Dulce Santos, última gestora do ponto. — O mirante nunca deu lucro, sempre foi pensado como um presente para a cidade, pois nós revitalizamos a área que ficou abandonada por décadas. Tanto eu quanto os outros gestores que vieram antes de mim sempre tivemos outros negócios. Claro, de vez em quando, existia alguma cota relacionada a eventos ou artistas que se apresentavam ali.

“Point” já bombou

Nos tempos áureos do local — entre 2017 e 2019 —, cerca de mil pessoas chegavam a visitar o mirante em um único dia e, normalmente, ocupavam as longas escadas que estão nas costas do Masp para assistir a algum show ou apresentação. A ocupação do mirante teve início anos antes, em 2015, com sessões de cinema. A ideia foi do empresário Facundo Guerra, conhecido da noite paulistana, cujo nome se tornou sinônimo de novos negócios. Ele conta que observou a paisagem por acaso, quando estacionava a moto ao chegar para uma aula de história da arte, no museu. Na época, o ponto estava sem uso há quase sete décadas. Quem viveu o passado da região lembra que, antes do uso comercial, o mirante era uma “minicracolândia”, com uso de drogas a céu aberto, uma mazela conhecida de SP que só de se falar assusta os moradores. Outro ilícito muito comum era a queima de fios de cobre roubados.

— Fazer o mirante funcionar foi uma declaração de amor à cidade. Sinceramente, não fazia sentido do ponto de vista financeiro. Para mim, contudo, foi importante para ter experiência e conseguir assumir o Bar dos Arcos (no subsolo do Theatro Municipal de São Paulo) mais adiante. Esse sim economicamente viável. Quando abrimos o mirante, a Avenida Paulista estava começando a fechar para os carros aos domingos. Era outro momento da cidade de São Paulo — explica Facundo Guerra. — Tínhamos muitos custos de manutenção e segurança. Isso compromete a estabilidade econômica do ponto. Uma saída seria utilizá-lo para que as marcas fizessem ações especiais, como ferramenta de marketing. Teria que ser assumido por uma empresa, um pequeno empreendedor não dá conta.

Em 2017, a prefeitura firmou o acordo com os empresários que assumiriam como gestores, entre eles, Guerra e Victor Oliva, outro nome que também veio da noite. No meio do caminho, os dois se desentenderam e desfizeram os negócios em comum. O Mirante 9 de Julho ficou aos cuidados de Oliva e, depois, a gestão passaria para Dulce, que tinha sido gerente dos dois sócios anteriormente.

Considerando todas as gestões, a contabilidade final é de que, ali, já foram investidos R$ 6 milhões nos últimos anos. Segundo Dulce, o patrimônio foi totalmente depreciado com o abandono da estrutura, o furto de fios e de outros equipamentos.

Antigo belvedere

Fontes ligadas às gestões anteriores da prefeitura — as de Bruno Covas e João Doria — relatam que os projetos não foram para frente por motivos externos já que a relação entre o município e os investidores sempre foi boa. Entre outros fatores citados, estão o incômodo dos vizinhos com o barulho dos frequentadores e até mesmo com os ruídos do fluxo de pessoas. Além disso, abaixo do mirante, na altura da Avenida 9 de Julho, há um chafariz que sofria toda sorte de ataque quando ficava sem fiscalização, o que exigia dos empresários investimentos recorrentes na recuperação do monumento.

Em sua origem, o Mirante 9 de Julho fazia parte do complexo nobre que ficou conhecido como Belvedere Trianon, área disputada pela alta sociedade paulistana a partir de 1916. Ficava na mesmíssima área em que hoje funciona o Masp — cuja inauguração ocorreria poucas décadas adiante, em 1968. Para que o museu existisse, porém, o casarão antigo foi demolido.

O belvedere consistia em um endereço com vista privilegiada para a área verde da metrópole e contava com programação de festas e jantares. A instalação do mirante que existe hoje, contudo, ocorreu ao mesmo tempo do surgimento da Avenida 9 de Julho, na década de 1930. Apostava-se numa reinvenção arquitetônica para compensar a perda de charme e de história.

Agora, as reclamações dos pedestres que passam por ali ou mesmo de turistas que vão visitar o local são de insegurança. Não raro há moradores de rua nas escadarias e até dependentes químicos. Procurada pelo GLOBO, a gestão municipal afirmou, sem dar mais detalhes, que “o edital para a concessão do Mirante 9 de julho está em fase de estudos de alternativas e avaliação de possíveis encaminhamentos”. A prefeitura diz que a Guarda Civil Metropolitana (GCM) realiza o patrulhamento comunitário e preventivo no local, por meio de rondas periódicas, 24 horas por dia.

Fonte: O Globo